newsletter #23

TUDO DE BOM SEM SOFRER

Vocês sabiam que antigamente a substituição de jogadores durante uma partida de futebol não era permitida? Não existia essa coisa de banco de reservas. A mudança de regulamento que implementou a novidade chegou só em 1958 e ficou conhecida no Brasil como a “regra três”. Quais eram as duas primeiras? Não faço ideia. Não pegar a bola com a mão, talvez fosse a regra um? Vai saber… Mas sinceramente, não interessa, porque não vou falar sobre futebol hoje (ufa!). Só dividi esse pedaço de informação inútil com vocês por causa da música Regra Três, de Toquinho e Vinicius de Moraes. Segundo fofoca conhecida, Toquinho não gostou da primeira versão da letra que Vinicius escreveu pra sua melodia, e o poetinha, mordido pela crítica de um parceiro que tinha idade pra ser seu filho, resolveu provocar de volta. Escreveu uma nova letra cutucando o rapaz, que tinha fama de ter várias namoradas ao mesmo tempo (uma titular, e as outras “regra três”). É ótima a advertência do mais velho, de que um dia aquele esquema ia melar. E o samba virou um clássico. Mas é também curioso que esse mesmo letrista tenha escrito, não muito tempo antes, esses versos, em Broto Maroto:

Embora eu lhe tenha carinho
E ela só cuide de mim
Eu já tenho muito brotinho
Plantado no meu jardim
Por isso é que eu fico cabreiro
É muito brotinho demais pra um brasileiro!

Ou seja, a promiscuidade do homem é ruim, mas só se for assim muito exagerada. Enquanto as flores couberem no jardim, tudo bem! Agora, e se for a mulher a cultivar os seus brotinhos? Bom, aí a história muda de figura. Segundo Vinicius, o homem que sente alguém rondando o seu jardim tem todo o direito de protestar, afinal, “o ciúme é um mal de raiz”. É assim que ele justifica, em Medo de Amar, o término do relacionamento com uma mulher que não tolera ataques de ciúmes. No final, o homem parte, à procura de alguém que compreenda que o “o ciúme é o perfume do amor”. Ao mesmo tempo, porém, esse é o mesmo Vinicius que escreveu um dos sambas mais provocadores na forma de denunciar como é ensinada, dentro de casa, a opressão dos papéis de gênero. Ouçam Maria Moita:

Meu pai só dizia assim: “venha cá”
Minha mãe dizia “sim” sem falar
Mulher que fala muito
Perde logo o seu amor

Agora deixando de lado as contradições, há pelo menos uma constante em toda a obra de Vinicius no que diz respeito às relações amorosas: a certeza absoluta de que todo amor dói. Pelo menos todo amor digno desse nome. Essa é a profissão de fé viniciana. Quanto mais o amor doer, quanto mais incomodar, fizer sofrer, e chorar, e penar, maior e mais verdadeiro ele será. Em Tempo de Amor ele diz com todas as letras: “Mas tem que sofrer, mas tem que chorar, mas tem que querer, pra poder amar”. Longe de mim negar que o sofrimento faça parte da experiência humana, e que ele seja até necessário pro nosso amadurecimento emocional. O problema começa quando se coloca o sofrimento como o único caminho pro amor, ou pelo menos pra receita do “grande amor” que Vinicius tanto cantou. Imagina, por exemplo, uma relação abusiva que uma mulher deseja deixar. Ou uma tentativa de assédio que uma mulher repudia. Ou simplesmente uma investida que uma mulher, por falta de interesse, recusa. Em qualquer dessas situações, aplicando os ensinamentos de Vinicius, o homem poderia argumentar:

Formosa, não faz assim
Carinho não é ruim
Mulher que nega não sabe, não
Tem uma coisa de menos no seu coração
Ninguém tem nada de bom sem sofrer!

Que tal? Sem a música por trás, Formosa, aquele samba tão animado, parece menos divertido, né? E olha que isso é só a pontinha do iceberg. No livro que estou lançando este mês, eu me atrevi a fazer o mergulho profundo, e acabei percebendo um monte de outras coisas por trás das músicas e poemas de Vinicius, que a gente precisa urgentemente desaprender. Aí vocês me perguntam: “Será que depois de ler o livro eu vou conseguir ouvir Vinicius de novo? Eu sempre gostei tanto dele!”. Nada temam, amigues. Eu também gosto dele. E hoje em dia ouço e leio até com mais interesse do que antes, justamente porque já conheço as armadilhas que estão ali. Aproveito o que é belo, e no resto ele já não me apanha. Não acreditam que isso é possível? Eu provo. Lembram de todas as músicas que mencionei nessa newsletter até agora, e que, tenho a certeza, vocês ficaram com vontade de (re)ouvir? Pois então, eu gravei todas elas recentemente. E estou lançando um EP com essas versões, pra vocês escutarem enquanto leem o livro. Quando sai esse EP? Esta sexta-feira, dia 9. Onde está? Na sua plataforma preferida, a um clique de distância, pelo botão abaixo.

EP “MEIGO ENERGÚMENO”

EP Meigo Energúmeno

Sugiro fazer o pré-save do lançamento, assim na sexta-feira as plataformas te lembram que as músicas já estão no ar. 😉

APRESENTAÇÕES DO LIVRO EM PORTUGAL

É óbvio que nada disso ia passar sem a oportunidade de eu apresentar pessoalmente o livro e tocar ao vivo essas músicas pra vocês. As primeiras cidades onde vamos nos encontrar serão:

LISBOA— dia 14: Livraria Snob às 18h30

PORTO — dia 16: Casa Odara às 18h30

livro Meigo Energúmeno

NA ESCUTA, CÂMBIO 📡

Obrigado por mais um mês de mensagens carinhosas aqui nesta caixa postal virtual! Recebi bons retornos sobre possíveis shows no Brasil, vindos diretamente de São Paulo e de Fortaleza ♥️
Alô Brasil, tem mais alguém aí?! Não estou de lero lero, é verdade verdadeira que existem planos rolando pra uma pequena tour brasileira! Digam aqui pelo nosso canal direto por onde gostariam que eu passasse:

LUCA TE ESCUTA

E claro, o canal segue aberto também pra todos os comentários, perguntas e reclamações que eu adoro ler todo mês. Sintam-se em casa.

ANTES QUE EU ME ESQUEÇA📍

Além das apresentações do Meigo Energúmeno, em Maio também acontecerão outras coisas bonitas. Um concerto a solo em Braga, no Festival Política; uma audição comentada do meu Samba de Guerrilha, no CAAA em Guimarães; e o concerto mais bombástico dos últimos tempos: eu e Filipe Sambado, novamente juntes, no CCB. Mas dessa vez em grande, grande mesmo. Tão grande que vou deixar pra contar tudo em detalhe na próxima newsletter, porque aqui já não vai caber.

BRAGA — dia 10: Centro de Juventude 18h (Festival Política) – ENTRADA LIVRE
GUIMARÃES — dia 25: CAAA (audição comentada do Samba de Guerrilha + conversa) – ENTRADA LIVRE
LISBOA — dia 31: CCBSol em Gémeos: Filipe Sambado & Luca ArgelBILHETES

Luca Argel e Filipe Sambado

 

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