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LUSOFOBIA

“A língua caminha junto com o Império.” Eu sempre lembro dessa frase quando escuto a palavra lusofonia. Foi dita por um senhor chamado João de Barros. Dizem que foi ele que convenceu o rei de Portugal, no século XVI, a impôr a língua portuguesa nos territórios onde chegassem, como uma forma adicional de conquista. É bem por isso que a consolidação do português como um idioma nacional, emancipado do latim, aconteceu justamente durante a expansão colonial. Foi aí que os linguistas correram para sistematizar a língua vernácula que se falava na terrinha, e publicaram as nossas primeiras gramáticas. O momento não foi por acaso. Era para dotar o Império de mais essa ferramenta de dominação. E assim nasceu o que uns séculos depois a gente vai chamar de lusofonia. Confesso que depois que aprendi isso criei uma certa fobia da palavra.

A última vez que a escutei foi num debate na TV portuguesa. Era uma jornalista brasileira explicando, com uma serenidade desconcertante, que durante o período colonial foram cometidos crimes atrozes contra a humanidade e que Portugal se beneficiou deles, embora tenha muita dificuldade em reconhecer a história nesta perspectiva. E, diplomática, dizia até que estava trazendo um ponto de vista que não era melhor nem pior, apenas diferente do ponto de vista habitual do europeu branco. Era só isso. Mas antes que ela pudesse terminar, foi interrompida por um espécime exemplar do tal europeu branco (um político da direita portuguesa) que começa a sua contestação com: “Este assunto está completamente fora da agenda lusófona.”

Ora, aí está. Se a língua caminha junto com o Império, quem mais ditará a sua agenda, não é? Mas ela não deixou barato. Mal o senhor terminou de dizer a palavra “lusófona”, ela atalhou: “No Brasil não está fora não.” E eu nessa hora podia mesmo ouvir Noel Rosa cantarolando ao fundo: “Tudo aquilo que o malandro pronuncia, com voz macia, é brasileiro, já passou de português…”

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Isso tudo pra dizer: e o senhor presidente, hein? Conseguiu emplacar uma defesa de reparação histórica e um comentário racista sobre o antigo primeiro ministro, assim no mesmo fôlego, na mesma tacada. Matou a preta numa caçapa e a branca na outra. Mas sinceramente, achei o saldo positivo. Ao menos colocou um monte de gente para conversar sobre o assunto, nessa semana entre o 25 de Abril e o Dia da Língua Portuguesa. A parte que me cabe nesse latifúndio já está dada e cantada em prosa e verso, literalmente: na canção Peça Desculpas, Senhor Presidente, e neste artigo do Público. Vou até parar a newsletter por aqui, para poderem continuar por lá. 😉

ANTES QUE EU ME ESQUEÇA

Falando em Dia da Língua Portuguesa, neste mês vai haver em Lisboa a primeira edição do FeLiCidade (Festival da Língua e da Liberdade na Cidade), uma abordagem diferente e interessante para essa data. Eu estarei lá num concerto em conjunto com a Filipe Sambado. Antes disso, a minha caravana vai passar novamente pelo norte, em Santo Tirso! E mais para o final do mês, no Algarve, cantando José Mário Branco. Mas não sei porque estou escrevendo esse parágrafo. Mais fácil fazer a lista:

Santo Tirso / Vila das Aves – dia 4 no Centro Cultural Municipal
Lisboa – dia 5 com Filipe Sambado no CCB (Festival FeLiCidade)
Armação de Pêra – dia 24 com Abril em Branco (Tributo a José Mário Branco)

 

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