newsletter #27

NADA SUPERA AQUELE BOM PF

Juraram pra mim que no Rio de Janeiro estava fazendo muito frio. Que era pra levar casaco, luva, cachecol, bota, gorro, protetor de orelha… Porque é isso que o carioca faz quando o termômetro desce dos 20º. Eu sou carioca, conheço o drama, já ouço no fundo a Adriana Calcanhotto cantando “e o inverno no Leblon é quase glacial…”. Acontece que eu hoje também já tenho mais de 10 anos de Portugal, a maior parte deles no Porto, onde o frio atravessa as paredes de casa e entra nos ossos igual alma penada. Soube das agruras desse inverno carioca e só dei risada. Mas mesmo assim, por insistência da minha mãe, coloquei meus dois casacos mais leves na mala. Se por acaso ficasse desconfortável eu usava um, se fizesse frio de verdade usava os dois. E, aqui entre nós, ainda bem que fiz isso. Porque acabei precisando usar os dois! Não no Rio, obviamente. Nas outras cidades.

A passagem pelo Rio foi relâmpago. Deu pra um oi pra família e pros amigos que lotaram o casarão do Centro da Música Carioca na noite do meu concerto, um oi pro meu ídolo Aldir Blanc — digo, pra estátua que fizeram dele ali pertinho (ele era vizinho do casarão) — pra um croquete de pernil, e rumo à FLIP.

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No Centro da Música Carioca

Mas antes de falar de Paraty, uma nota rápida sobre como é diferente o Rio de Janeiro em agosto. Desde que saí de casa eu não visitava a cidade nessa época do ano. Geralmente vou na época das festas, final de dezembro, onde o verão já está a todo vapor, todo mundo tem mil compromissos marcados, ninguém para em casa, é uma dificuldade combinar qualquer coisa… E eu, com voo de volta marcado e não podendo contar com os encontros espontâneos de rua pra ver as minhas pessoas, andava sempre aflito e frustrado. Desta vez senti tudo mais sereno. Ou melhor, um pouco menos caótico. E gostei. Fiquei com vontade de voltar de novo nessa época pra ver se foi só impressão.

Caótica mesmo estava a pequena Paraty durante a FLIP. A última vez que fui lá era 2013. Como cresceu. A cada cinco passos uma pessoa tropeça num lançamento de livro, numa mesa redonda, num sarau, numa oficina; e se você fica curioso e vira a cabeça pra ver o que é, acaba tropeçando também, nas pedras traiçoeiras das ruas, ou esbarrando num outro distraído, de tanta gente passando de um lado pro outro. Eu próprio, além do lançamento do meu livro, também participei do lançamento do livro do meu parceiro Pedro Luís, e sem querer acabei caindo de paraquedas numa outra mesa, onde ele conversava com dois amigos muito queridos, o Dimitri BR e o Lucas Mattos. Eu só ia pra assistir, mas fui avistado e abduzido pra dentro da mesa. E foi ótimo.

Mas ao mesmo tempo, a minha experiência na FLIP foi um pouco ambígua. Vou tentar explicar. Eu gosto de livros, e de ler. Um dos motivos é que a leitura é um momento em que a gente brevemente se ausenta desse mundo e vai pra outro lugar. Ali somos só nós, e o que estiver dentro do livro. Mas o ambiente da FLIP, com a quantidade avassaladora de eventos em simultâneo, de estímulos, de ruído, de pessoas constantemente disputando espaço pra ver, ouvir, comprar, comer… É tudo o exato oposto da experiência tão boa de foco que a literatura me dá. Um ótimo para conhecer livros, um péssimo lugar para lê-los. Agora, a boa memória que trago, sem sombra de dúvida, é a do peixe assado ao molho de maracujá e morango do restaurante que descobrimos no primeiro dia, e voltamos em todos os outros.

 

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Pensando no peixe assado 

Já que comecei a falar de comida, Belo Horizonte merece um parágrafo à parte. Serei para sempre grato ao César Lacerda, que, na minha única tarde livre na cidade recomendou que eu fosse almoçar no Mercado Novo, onde comi, sentado no balcão, uma galinhada que rivaliza sem esforço com a da minha avó (não por acaso mineira também). Outras iguarias do cardápio iam de um barriga de porco caramelizada com broa torrada, ao frango à paçoquinha — um galeto frito com molho de pimenta e farelo de paçoca. Só não tinha sobremesa. O que não foi problema, porque logo ao lado do meu hotel tinha uma confeitaria chamada “O Legítimo Rocambole de Lagoa Dourada”. Se alguém aqui nessa newsletter por acaso nunca provou ou não sabe o que é um rocambole, eu sinceramente sinto muito por você, amig@. Eu fui lá, vi umas modernices no cardápio, do tipo rocambole com Nutella, rocambole com Oreo, rocambole com Kit Kat, mas passei reto e fui pros clássicos. Um de doce de leite na hora e um de goiabada pra viagem. E vou dizer que o de doce de leite, minha avó que me perdoe, mas…

Bom, assim até parece que eu só fui lá pra comer. Não é verdade. Entre uma refeição e outra teve lançamento do livro, e teve o concerto na Casa Outono, um espaço que é uma jóia. Quem acompanhou os preparativos pra viagem pelo meu Instagram sabe que inicialmente era pra eu tocar no Tranquilo, data confirmada desde abril. Mas qual não foi minha surpresa quando, faltando uma semana pra embarcar (com passagem comprada, hotel reservado, divulgação rolando), descobri, pelas redes sociais, que o Tranquilo tinha encerrado as atividades. Simples assim. Só esqueceram de me avisar. E na correria pra arranjar um outro espaço em BH, descobrimos a Casa Outono, que foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Som, palco, público, equipe, energia, tudo lindo. Há males que vêm para o melhor. Valeu, Tranquilo!

 

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Juro que não vim só pra comer

Por fim, São Paulo, onde eu tive que vestir meus dois casacos. Apesar do frio, os presságios eram muito bons. Na saída do aeroporto apanhei um taxista metaleiro, o Fabrício. Viemos a viagem toda conversando sobre rock, e quando ele descobriu que eu era músico fez praticamente um programa de entrevista comigo. Chamei ele pro meu concerto na Casa Odette, mas ele não pôde ir. Aliás, outro concerto lindíssimo. A Odette é mais um desses casarões antigos transformado em centro cultural — acabo de me dar conta que todos os meus concertos no Brasil foram em espaços assim! Mas esse tem uma diferença interessante: é todo gerido por mulheres. Programação, produção, técnicas de som, de luz, barista, só mulheres trabalhando. Achei incrível. Principalmente as técnicas, porque essa sempre foi uma área predominantemente masculina. É uma alegria ver isso se transformando. Outra coisa muito interessante de lá é que todo evento da casa tem uma pequena cota de bilhetes gratuitos para pessoas T (trans, travestis e não-binárias), pessoas negras e de povos originários. Também achei incrível. Com essa vibe, mais a casa lotada, não tinha como a noite não ser boa.

E assim a viagem foi se encaminhando pro final. A última coisa que fiz foi tirar um dia no estúdio de um amigo no Bixiga pra gravar duas músicas. Vou falar delas na próxima newsletter. O que não posso deixar de falar aqui é que nesse dia, porque em dia de estúdio cada minuto conta, acabamos pedindo aquele bom e velho “prato feito” pra almoçar. Olha, eu não sabia da saudade que eu tinha de um PF brasileiro. Saudade da coisa mais simples do mundo: arroz, feijão, farofa, batata frita (ou purê) e um bifinho pra completar. Sem truques. Sem surpresas. E não tem nada melhor no mundo.

No dia seguinte liguei pro Fabrício pra ele me levar pro aeroporto. Entrei no carro e ouvi uma voz familiar. Não é que ele tinha me achado no Spotify e tava ouvindo minha discografia toda? Já tinha mostrado minhas músicas pra mãe e pra namorada, pediu uma foto pra mandar pra elas, e me fez prometer escrever um samba sobre um táxi. Respondi que pra isso precisava conhecer algumas histórias de taxista. Ele não se fez de rogado e foi até Guarulhos me dando material. Eu nem tinha saído do Brasil, e já recebia a primeira encomenda pra quando voltar.

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ANTES QUE EU ME ESQUEÇA📍

Camaradas de Portugal que me escreveram durante as últimas semanas expressando muita preocupação de que eu talvez ficasse pelo Brasil para sempre, podem respirar aliviad@s. Não só estou de volta, como em setembro estarei na estrada, de norte a sul, e é bem possível que eu passe pertinho de vocês.

🇵🇹 PORTO — dia 5/9: Feira do Livro do Porto – Auditório BMAG / 21h – ENTRADA LIVRE

🇵🇹 PAREDES — dia 6/9: Sons no Património – Capela de N. S. da Piedade de Quintã / 21h30 – ENTRADA LIVRE

🇵🇹 SEIXAL — dia 7/9 (com Samba Sem Fronteiras): Festa do Avante! – Palco Paz / 19h30

🇵🇹 LISBOA — dia 12/9: MACAM – àCapela / 21h30 – BILHETES

🇵🇹 STA. MARIA DA FEIRA — dia 17/9 (com Ana Deus): Cineteatro António Lamoso / 21h30 – BILHETES

🇵🇹 OVAR — dia 18/9 (com Ana Deus): Festival Literário de Ovar – Escola de Artes e Ofícios / 22h30 – ENTRADA LIVRE

 🇵🇹 LISBOA — dia 20/9: Casa Capitão – Festa de Abertura / 11h – ENTRADA LIVRE

NA ESCUTA, CÂMBIO 📡

Agora você, bravo leitor, brava leitora, que chegou ao fim desta longa newsletter, merece uma recompensa. De vez em quando eu ofereço umas prendas pra vocês por aqui, e esse mês achei que era uma boa ocasião. No dia 12 vou tocar, a solo, num lugar muito bonito em Lisboa. É uma capela que fica dentro do MACAM (Museu de Arte Contemporânea Armando Martins). Não sei se vocês já assistiram a um concerto dentro de uma capela, mas é uma experiência diferente — o som, o foco, a atmosfera meio transcendente. E o presente da vez é um bilhete para esse concerto.

Ganha quem primeiro deixar o nome e uma forma qualquer de contacto (email, whatsapp ou instagram) pelo link abaixo:

LUCA TE ESCUTA

E claro, podem deixar também aquele recado, aquele pedido, aquele abraço… Estou ouvindo.

Até mais!

 

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