newsletter #24
SAMBANDO COM SAMBADO
1. Quando sou entrevistado, uma das perguntas que mais me fazem é: “Por que escrever músicas de intervenção?”. Mas por trás dela eu ouço uma outra, mais direta: “Por que incomodar?”. E ainda por trás dessa, sinto que o que está verdadeiramente em questão, e que poucos se permitem dizer com todas as palavras, é o seguinte: “Por que chatear, provocar, cutucar, criticar o mundo, enfim, se profissionalmente, para um artista, há sempre mais risco de perder do que de ganhar com esta atitude?”. É uma perplexidade que muita gente tem, e eu acho que nunca consegui explicar completamente essa minha escolha, seja pros outros, seja pra mim mesmo. Até a última vez que ela apareceu.
Era uma entrevista comigo e com a Filipe Sambado, sobre o nosso próximo concerto juntes, e, pela primeira vez, a resposta que me escapava apareceu. Ou melhor, pela primeira vez eu percebi que a minha dificuldade em responder vinha da premissa da pergunta estar no lugar errado. Percebi que não somos nós, artistas “de intervenção”, que incomodamos o mundo com as nossas críticas e cobranças. Não somos nós os chatos, as pedras nos sapatos, a areia nas engrenagens que só querem girar e girar, e lá vamos nós tentar enguiçá-las. É bem o contrário. E é simples. Como qualquer ser humano, nós queremos apenas existir em paz. Fazer o que amamos e amar a quem quisermos, nos mover com liberdade e escolher os nossos caminhos. É pedir demais? Obviamente não. Coisas tão básicas só podem ser disruptivas num mundo, esse sim, já completamente enguiçado.
Estou falando de querer viver, e não sobreviver, que é coisa muito diferente. E como não se vive sozinho, estou falando também de desejar a mesma fortuna pra qualquer um. Só que aí vem o mundo nos chatear. Jogar areia nas nossas engrenagens. Jogar a guerra, jogar a desigualdade, jogar o racismo, jogar os venenos todos das discriminações e violências, pequenas e grandes, nas águas dos nossos dias. E de alguma forma perversa, querem nos convencer de que os chatos somos nós. Que os incômodos somos nós.
Um exemplo pra pensar: há décadas que vamos constatando números intoleráveis de violência de gênero, de violência doméstica, de misoginia e feminicídio no mundo. Basta uma pesquisa rápida por estatísticas e estudos sobre o assunto pra perceber que há algo de muito errado na forma como temos ensinado os nossos homens a se relacionarem com mulheres. Mas, mesmo diante disso, não consigo me lembrar de alguma vez já ter visto, por exemplo, um cantor romântico (e são tantos cujo repertório é praticamente monotemático, sobre relacionamentos entre um homem e uma mulher) ser perguntado por que ele não faz música de intervenção. Não deveria ser natural? Não seria o lugar mais lógico de onde uma intervenção positiva poderia partir? Por que não acontece? Por que a questão não é colocada dessa forma? É que a perplexidade deveria estar justamente aí, nessa opção (absolutamente legítima!) de quem não quer ou não se sente à vontade para intervir. Nunca o contrário.
2. Não é por acaso que esses pensamentos tenham me ocorrido enquanto eu estava ao lado da Filipe Sambado. Nas últimas semanas tenho andado mergulhado nas músicas dela, por conta do nosso espetáculo no CCB, em Lisboa. E não é que eu não as conhecesse. É que uma coisa é ouvir música dentro de um disco ou de uma playlist, caminhando pela rua, lavando a louça, no supermercado… Outra coisa é estudá-la em casa, com a guitarra na mão, aprendê-la, repeti-la até ficar íntimo o suficiente pra experimentá-la na própria voz. Uma coisa é contemplar de cima o Frasco de Vidro estilhaçado no chão, outra é provar o sabor das roscas de manteiga que ele costumava guardar. É cortar os dedos recolhendo os cacos. Sentir o seu gume, afiado como as conchas partidas do Choro da Rouca, sedentos por sangue como cassetetes de polícia em Bastonada nos Dentes.
Fui bem dramático agora. Desculpem. Mas não se deixem enganar. Essa intensidade toda pode dar tanto pra trevas quanto pra luz (como era de se esperar de uma mente geminiana). Mesmo na melancolia de um fado como Um Lugar na Mouraria, ou do desconsolo de Faço um Desenho, há sempre espaço pra brotarem “novos cravos, novas lutas”, há sempre pequenas sementes de esperança que vão ficando no caminho, pra bem de quem virá depois. Como “tostões de avô”, podem não parecer muito, mas quem sabe… O sul pode ser o norte de alguém.
Em Talha Dourada, uma das minhas letras preferidas da Filipe, ela termina com um verso tão singelo e tão profundo quanto isso: “sou mais eu quando não tenho medo de ser”. Sim, somos seres complexos, mas, como eu já disse, o que nós queremos é simples. Ser, sem medo. E enquanto não for possível, faremos canções sobre isso.
3. No dia em que eu e Filipe tocamos juntes pela primeira vez, descobrimos durante o almoço que fazemos aniversário quase no mesmo dia, no início de junho. E quando recebemos o convite pra nos juntarmos a segunda vez, num concerto maior, essa foi a primeira ideia que me ocorreu pra amarrar o roteiro. Nosso Sol em Gémeos. Até porque a data que nos propuseram era ridiculamente próxima dos nossos aniversários. Mais uns dias pra frente e virava uma festa dupla. Portanto, no próximo dia 31 de maio, no CCB, preparem-se pra aturar dois geminianos em palco, com o sol sobre nossas cabeças (e signo), a lua em Leão, e Sagitário a subir no horizonte. Sim, eu fiz o mapa astral da hora em que o espetáculo vai começar. E tem um verso da Filipe que descreve bem o que os céus estão guardando pra essa noite: FOGO NO VENDAVAL.
SOL EM GÉMEOS – BILHETES
NA ESCUTA, CÂMBIO 📡
Esse mês vou explorar uma nova utilidade aqui pro nosso espaço de interação. E acho que vocês vão gostar. Tenho dois pares de ingressos pro Sol em Gémeos que quero sortear só entre vocês, que estão aqui na newsletter. Vai funcionar assim:
-Você aperta no botão ali embaixo pra abrir a página onde habitualmente podem me deixar mensagens;
-Quando a página abrir, você deixa o seu nome e alguma forma de contato (pode ser um e-mail, um @ do instagram, um número de telefone, whatsapp, o que preferirem);
-No dia 29 (quinta-feira), às 21h (horário de Portugal), vou fazer o sorteio dos convites numa live no meu Instagram;
-Os sorteados vão ser contactados pra confirmarem a presença e…
-… no dia 31 estarão na lista de convidados pra assistirem ao concerto felizes e contentes! 😁
Que tal? Acharam um bom negócio? Então não deixem pra depois, porque esse é um sorteio só pra quem lê a newsletter nos primeiros dias depois que ela sai. Quem deixar pra última hora pode não chegar a tempo de participar… O botão é esse aqui embaixo, e está, como sempre, também aberto a todos os comentários, perguntas e sugestões de vocês.
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA📍
Em junho estamos repletos de atividades literárias. Continuamos com a ronda de lançamentos do Meigo Energúmeno, meu último livro, por Portugal, e teremos ainda duas apresentações do Canções Para Beber com Pessoa, meu duo com a Ana Deus, cantando poemas de Fernando Pessoa. Pra completar, também vai ter um concerto voz e violão no início do mês, e no final um concerto com aquele bandão maravilhoso completo. Tudo espalhado pelo país.
BARREIRO — dia 4: Cooperativa MULA – 21h30 – Apresentação do livro Meigo Energúmeno.
LISBOA — dia 5: Feira do Livro de Lisboa – 19h – Apresentação do livro Meigo Energúmeno
GUIMARÃES — dia 7: Festival O Retiro – 21h30 – Concerto solo – ENTRADA LIVRE
PENAFIEL — dia 14: Ponto C – 18h30 – Canções Para Beber com Pessoa (com Ana Deus) – BILHETES
COIMBRA — dia 27: Feira do Livro de Coimbra – Canções para beber com Pessoa (com Ana Deus) – ENTRADA LIVRE
COIMBRA — dia 28: Feira do Livro de Coimbra – concerto com banda – ENTRADA LIVRE