newsletter #22
MEIGO ENERGÚMENO
“Vinicius de Moraes saía de uma festa durante o festival de cinema de Cannes, depois de uma daquelas épicas bebedeiras. Ia sendo levado de volta ao hotel no carro de amigos e assim que entrou no veículo começou a se queixar de um incômodo. Dizia, insistentemente, que estava sentindo uma dor muito forte. Quando lhe perguntavam onde doía, ele não sabia explicar. Respondia apenas que era uma dor insuportável. O caminho até o hotel durou cerca de 20 minutos, durante os quais Vinicius esteve afundado no mais absoluto sofrimento, incapaz de reconhecer o motivo da dor. Quando finalmente chegaram à porta do hotel é que os amigos conseguiram enfim diagnosticar o problema: Vinicius tinha feito toda a viagem com um dos dedos da mão preso à porta do automóvel.
Desde que comecei a trabalhar neste ensaio descobri que muitos leitores e leitoras (especialmente leitoras) de Vinicius de Moraes têm uma experiência parecida a essa com relação à obra do poeta. Sentimos alguma coisa que nos incomoda, mas não sabemos logo nomear o que é. Como se tivéssemos um dedo secretamente preso à porta. Digo isso porque defendi este texto em 2016, como minha dissertação de mestrado na Universidade do Porto, e observei essa reação inúmeras vezes quando era perguntado sobre o meu tema de pesquisa. Ao revelar que escrevia sobre Vinicius de Moraes, a primeira reação geralmente era muito simpática, creio que pela relação carinhosa que o público, tanto brasileiro quanto português, possui com a figura cativante do poetinha. Contudo, ao explicar que se tratava de uma pesquisa sobre o machismo na sua obra, a expressão simpática quase sempre se convertia numa espécie de iluminação, seguida de algum comentário do tipo: “Sim, eu adoro o Vinicius, mas realmente… Naquele poema ele é um pouco machista… E naquele outro também… Pensando bem, até faz sentido…”
Assim começa, pessoas queridas, o meu novo livro: MEIGO ENERGÚMENO. Ainda vou falar bastante dele, dentro e fora desta newsletter, mas como devem ter percebido, não é um livro de poesia, ao contrário de todos os meus outros livros. É um livro sobre um poeta. O poetinha. Possivelmente o primeiro poeta que li na vida. O que inaugurou meus olhos para os versos. Um autor que, eu já sabia, porque todo mundo no país sabia, também tinha escrito músicas, e as cantava. Sempre me pergunto se tê-lo descoberto assim, desde muito cedo, não foi o que me fez encarar com tanta naturalidade a existência desse ofício duplo, que escolhi para mim como se fosse uma coisa só: escrever poesia para os livros e para a voz cantada. E esse meu livro, esse meu ensaio sobre Vinicius de Moraes, poderia ser só sobre isso. Mas não é. É sobre o momento em que comecei a me sentir um pouco incomodado por alguns daqueles poemas e canções, e fui procurar onde é que estava o incômodo.
Fui reler e reouvir todo o Vinicius. Me reencantei com aquela genialidade tão familiar, mas dessa vez fui tomando notas no canto das páginas a cada vez que franzia a testa diante de um verso e pensava: “hmmm, isso não envelheceu bem”. As notas foram tantas que não couberam mais nos cantos de página. Passei a amontoá-las num documento no computador. Depois comecei a organizar esse documento, e uns anos mais tarde ele acabou virando a minha dissertação de mestrado. Passado tanto tempo, eu imaginaria que hoje, em 2025, a maioria dos assuntos que tratei ali já estivessem mais ou menos superados ou pelo menos incorporados no senso comum. Aquela visão patriarcal do mundo e dos relacionamentos, as ideias do que é ser um homem e uma mulher, as dinâmicas de uma relação amorosa, já tanta coisa evoluiu do tempo de Vinicius para cá… E no entanto, nesses últimos dez anos parece que em vez de andar para frente, andamos para trás. Voltei a pensar muito sobre um assunto em especial: masculinidades. Tenho lido e escrito sobre isso, é um tema urgente, e ele acabou se tornando o centro de alguns dos meus projetos futuros. Lembrei de Vinicius, dos meus incômodos, das minhas notas. Voltei a elas e me assustei ao perceber o quanto aquele ensaio continuava atual. Resolvi que era a hora de atualizá-lo para enfim publicar. E aqui está ele.
Agora vamos ao que interessa: quando sai o livro? Em maio, no Brasil e em Portugal, simultaneamente. E como eu consigo o meu? Aí é que vem a parte boa! O livro já está em pré-venda online com desconto de 10%. Você clica no botão ali embaixo, vai diretamente para o site da editora, e faz a sua encomenda. Aqui entre nós, além de pagar mais barato, isso de comprar na pré-venda ajuda muito os autores, porque faz a editora perceber o interesse dos leitores, e manda fabricar e distribuir mais livros, que chegam a mais leitores, e assim por diante. Por isso, repassem este convite àquela pessoa que você acha que pode gostar. Fãs do poetinha, de bossa nova, de poesia, esquerdomachos, o grupo de amigues woke, aquele crush que você quer impressionar… Vinicius é uma referência importante demais, presente demais e influente demais, até hoje. Precisamos lê-lo e ouvi-lo com mais atenção.
NA ESCUTA, CÂMBIO 📡
Mais um mês de sucesso absoluto da nossa seção “Luca te escuta”. Adoro ler as mensagens que vocês enviam! Respondendo aqui a duas delas:
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“Luca, existe zero chances de você fazer shows no Brasil?”
Existem chances muito mais altas que zero! Agora então com o lançamento iminente do livro, já estou me mexendo para fazer isso acontecer. E devolvo a pergunta: Pessoal do Brasil, onde vocês estão? Onde gostariam de assistir a um show meu por aí? -
“Tens previsto algum workshop de escrita de canções para breve?”
Não, mas só porque não me ocorreu ainda organizar um por conta própria. Agora, depois dessa pergunta, já começo a considerar… Deixa eu sentir a temperatura: Gente, mais alguém aí teria interesse numa oficina (online) de escrita de canções?
Para a próxima newsletter, quem quiser deixar sua pergunta, sua mensagem, sua reclamação, seu desabafo… É só chegar pelo botão abaixo.
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA
Mudou a estação, e a agenda já esquentou. Onde vamos nos encontrar em abril?
Torres Vedras — dia 5: Teatro-Cine (concerto Visita com Pri Azevedo) – BILHETES
Lisboa — dia 6: Casa Fernado Pessoa (visita guiada Fernando Pessoa e a música) – BILHETES
Mealhada — dia 13: Cine-Teatro Messias (participação Festival Termómetro) – BILHETES
Seia — dia 24: Casa da Cultura (Abril em Branco – Tributo a José Mário Branco) – ENTRADA LIVRE
Lisboa — dia 26: Palácio Baldaya (banda completa) – ENTRADA LIVRE