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FUTEBOL DE BOTÃO

“Prepara!” Muito antes do Show das Poderosas, essa palavra já era um gatilho de fortes emoções para mim, desde criança. É o sinal que se dá quando vamos tentar o chute pro gol no futebol de botão. Não sei se vocês têm familiaridade com este nobre esporte que, apesar de se chamar futebol, é jogado com as mãos, não com os pés. E talvez seja exatamente por isso que eu tenha me dado tão bem com ele, melhor do que jamais me dei com o outro…

Como o nome já diz, o esporte é jogado com botões. Sim, aqueles mesmos, que também têm a função secundária de fechar calças e camisas. O princípio é muito simples: você coloca o botão numa superfície lisa (uma mesa, por exemplo), e pressiona a sua borda com um outro botão. O que acontece? Ele vai escapar e ser impulsionado na direção contrária de onde você o beliscou. Pronto: isso é o nosso jogador correndo em campo. Agora é só colocar mais botões na mesa (de preferência de cores diferentes, para não confundir os times) uma bolinha (pode ser papel amassado, um emaranhado de algodão ou linha de tecido, ou até miolo de pão seco) e arranjar mais alguém para jogar. O restante das regras é igual ao do outro futebol. Os botões-atletas vão empurrando a bolinha pro lado do adversário, e quando há abertura para arrematar a gente diz a palavra mágica.

“Prepara!” Aí o nosso adversário precisa acionar o único jogador em campo que não é um botão: o goleiro (me perdoem os amigos portugueses, mas nunca consegui dizer guarda-redes, por mais belo que seja esse nome). No futebol de botão ele geralmente é uma caixinha de fósforo, das pequenas. Se houver uma mini-baliza para ser defendida, ótimo. Mas, quando o jogo é de várzea, é o próprio jogador (o ser humano, no caso) que fabrica a meta com as mãos. Polegares para baixo viram os postes laterais, e os indicadores ligados fazem por cima o travessão. Não vale mexer!

Devo confessar que as crianças da minha geração já não roubavam botões da caixa de costura da avó, ou do paletó do pai, para jogar com os colegas. Na minha época a indústria nacional já tinha percebido o potencial deste nobre esporte, e era relativamente fácil encontrar em papelarias e lojas de brinquedo o kit completo: as mini balizas, bolinhas de resina (que na versão profissional eram cubinhos, e não esferas), mesas com as marcações do campo desenhadas e, é claro, botões feitos especificamente para o jogo — ou seja, que já não serviam para abotoar a roupa. Botões de plástico, de madeira, de côco, de vidro… E daquilo que era o material mais cobiçado, o que melhor deslizava em campo, o que dava maior precisão e estabilidade: os botões de galalite. Agora não me perguntem o que é galalite. Nunca soube. Só sei que esta palavra, no ouvido da turma, tilintava mais que ouro. Um time inteiro de botões de galalite era um tesouro daqueles de guardar no cofre.

Assim, botão por botão, depois de muitas idas à melhor papelaria do bairro, às vezes só para paquerar aquelas bolachinhas reluzentes, ou então para conferir se algum malandro já tinha levado o que eu mais desejava, depois de muitos pedidos ao meu pai (ele próprio um jogador veterano, portanto mais sensível aos meus apelos), com muita persistência e sacrifício, consegui completar o meu time.

Não vou ficar aqui gabando botão por botão, porque seria muito chato. Cada um tinha a sua personalidade, nome, função em campo. O meu artilheiro era um botão vermelho com uma faixa branca, e o escudo da seleção do Paraguai desenhado no centro, com tinta azul metálica. Uma vez fui limpá-lo com álcool (eu limpava os meus botões regularmente, e com mais esmero do que limpava a mim mesmo na hora do banho), e sem querer passei o pano sobre o desenho. A tinta do escudo ficou falhada. Foi uma dor… Mas hoje vejo como esse episódio ajudou a forjar o nosso caráter. O meu e o do botão. O nome dele era Gamarra. Era o único jogador da seleção do Paraguai que eu conhecia. Só que ao contrário do Gamarra da vida real, que era um defensor extraordinário (levou o Paraguai às oitavas de final no mundial de 1998 sem cometer nenhuma falta!), o meu Gamarra era um artilheiro.

Graças a ele venci os dois primeiros campeonatos de botão que disputei. O do meu prédio, e o do prédio do Matheus, meu melhor amigo e arquirrival no esporte. Neste último torneio venci o próprio Matheus na final, em pleno playground dele, com toda a torcida contra mim — inclusive o juiz, que era o primo dele. Mesmo assim, até hoje ele reclama do resultado, diz que meus botões estavam dopados. Mas felizmente o bom espírito esportivo prevaleceu, e nossa amizade continuou firme. Eu me aposentei logo após esta vitória, aos 13 anos, enquanto estava no auge. Mas se o futebol de botão fosse um esporte olímpico… quem sabe onde estaria eu hoje?

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Eu sou o do troféu grande. À direita, Matheus gabando o seu time.

ANTES QUE EU ME ESQUEÇA

Agosto começa numa noite quente em Évora, com direito a banda completa e apresentação de Sabina. Depois, o merecido descanso, e aquela tradicional visita à Feira do Livro do Porto, no fim do mês.

Évora – dia 3: Verão em Évora / Palco Jardim Público – 22h
Porto – dia 29: Feira do Livro do Porto / Conversa com Teresa Coutinho

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