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UMA INVEJA BOA

Foi na última Festa do Avante!, estava sentado atrás do palco com a Cátia (A Garota Não) esperando nossa hora de passar o som. De repente chega uma criança muito fofa, e diz que tem um presente para ela. Era um pin, com o desenho de um cravo vermelho e do lado a frase “Abril Vencerá!”. Ah, eu fiquei com inveja e enquadrei logo a criança: “Poxa, mas só tem pra ela? Eu queria um também!”. Mas só tinha aquele mesmo. Fiquei chupando dedo. Terminamos de passar o som, fomos aproveitar a festa, e quando caiu a noite voltamos para nos preparar, e entrar em palco. De repente, quem chega? A criança de novo. Tinha arranjado um pin para mim, igualzinho ao outro. Fofa demais! Na mesma hora prendi o pin na correia da minha guitarra. Toquei o concerto todo com ele espetado ali. E não só aquele concerto, mas todos os seguintes também. Até hoje ele continua ali, subindo sempre comigo no palco, bradando o seu “Abril Vencerá!”

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Mas não era sobre essa inveja que eu queria falar aqui. É sobre outra, um pouco mais complexa. Escrevi sobre ela uma vez, num texto para a revista Pulsar. O texto começava assim:

“Sou brasileiro e morro de inveja dos portugueses. O Brasil é grande e tem muitas belezas, mas foi chegando em Portugal que descobri uma coisa que só existe aqui, e que nos faz uma falta tremenda: o 25 de Abril. Quem nos dera a nós, brasileiros, termos um 25 de Abril! Um dia que marcasse o fim da nossa ditadura. Um dia de celebração da liberdade. Um feriado que todo ano reavivasse a memória do país sobre os horrores do fascismo e sobre o valor da resistência. Que lembrasse que a democracia não é algo que nos foi concedido, mas conquistado. Uma festa (o que poderia ser melhor do que uma festa?) que atravessasse gerações como um antídoto contra os discursos venenosos do autoritarismo. E tudo isso carregado por dois símbolos maiores: uma flor e uma canção. Não um brasão, não uma bandeira. Não uma arma, e nem uma ferramenta de trabalho. Uma flor e uma canção. Que inveja tão grande!”

E como essa inveja cresceu quando soube que, no Brasil, até o aniversário de 60 anos do golpe militar vai passar com a orientação oficial para não se relembrar os seus horrores. Não honrar as suas vítimas. Não ‘melindrar’ os seus criminosos… Fico aqui refletindo se será sequer possível imaginar, em Portugal, um governo que suspenda as comemorações do 25 de Abril…

[pausa para pensar no resultado das últimas eleições em Portugal]

Ops. Depois daquilo, acho que já é bem possível imaginar, sim. Mas vejam, passado aquele susto, aquela decepção, aquela tremenda vergonha, queria deixar uma perguntinha no ar:

Se foi assim com 25 de Abril, como teria sido sem?

Como teria sido se nunca, nos últimos 50 anos, tivéssemos parado as nossas vidas por um dia para relembrar a importância dos valores de Abril? Aquele milhão de votos no fascismo teria sido quantos mais? Dois? Três? Dá um arrepio só de pensar. E sim, diante disso tudo parece que o momento não é de celebrar. Mas acho que é precisamente o contrário. Temos um cinquentenário chegando. Agora mesmo é que precisamos fazer a festa mais bonita, pá!

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Eu, Ana Lua Caiano, Alex D’Alva, Paulo de Carvalho, Samuel Úria, Filipe Melo e Retimbrar, celebrando Abril no Festival da Canção

ABRIL A MIL

Pela parte que me toca, o plano das festas está assim:

Santarém – dia 12 no Teatro Sá da Bandeira – [bilhetes]
Óbidos – dia 13 na Praça da Criatividade (Festival Termómetro) – [bilhetes]
Lisboa – dia 20 com Samba Sem Fronteiras & dia 21 com Tropicáustica no Museu do Aljube [entrada livre]
Barcelos – dia 23 no Theatro Gil Vicente (Triciclo) – [bilhetes]
Porto – dia 25 na Associação de Moradores da Bouça, com o Grupo de Cante Alentejano do Orfeão Universitário do Porto (Cultura em Expansão) – [entrada livre]

🌹

 

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