Uma vez me fizeram um convite perigoso: escrever um hino para o carnaval de Estarreja. Não sei se @s amig@s aqui desta newsletter saberão, mas Estarreja é uma cidade no norte de Portugal onde existe uma tradição carnavalesca antiquíssima. Várias cidades de Portugal têm essa relação forte com o carnaval. Ovar, Mealhada, Figueira da Foz, e a própria Estarreja são as principais. Cada uma tem diversas escolas de samba, que competem nos desfiles das cidades, e depois as campeãs competem num desfile nacional. Muita folia, muita brincadeira, mas na disputa a coisa é séria. Por isso o perigo do tal convite não era propriamente escrever o hino, o perigo era o povo de lá não gostar.

Nas andanças do Samba Sem Fronteiras pelo país nós já conhecemos e tocamos em todas essas cidades. E eu ainda venho de uma cidade que enche a boca para dizer (com razão) que tem o maior carnaval do planeta. Mas foi só quando eu me vi lá, numa visita de estudo onde fui levado às sedes de inúmeras escolas e blocos, atrás de inspiração, é que eu percebi o tamanho da devoção que o pessoal daqui também sente pelo carnaval.  Sim, é evidente que em matéria de grandeza e opulência, nenhuma cidade em Portugal chega perto do que é o carnaval do Rio de Janeiro. Mas em matéria de paixão e dedicação, muito sinceramente, não vi diferença nenhuma. Se bobear, as rivalidades entre as escolas de samba portuguesas são até mais acirradas do que entre as brasileiras.

Samba Sem Fronteiras no carnaval

Então lá estava eu. Metido na encruzilhada de escrever um hino para o carnaval de uma cidade que não é a minha, onde eu nunca vivi, sendo que essa cidade já tem as suas escolas de samba, e essas escolas já têm os seus próprios compositores. E para completar, o que seria o mais difícil em se tratando de um hino, fazer isso sem desmerecer as cidades rivais. Afinal, como eu disse, já fomos tocar em todas elas… E queremos continuar indo! Eu só imaginava um verso mal encaixado desatando em ciumeiras locais, as cidades vizinhas se sentindo ofendidas, eu sendo cancelado, nunca mais podendo pisar de novo em nenhuma delas, prejudicando meus colegas de banda, tendo que mudar de profissão, fugir do país… Um pesadelo completo.

Como desatar esse nó? Apesar de carioca, eu confesso que na minha família ninguém dava assim muita bola para carnaval. Ninguém, com exceção do meu avô Jonathas. Não testemunhei porque não era nascido, mas todos sempre disseram que, no seu tempo, vovô Joninha foi um folião prodigioso. O que lembro bem é que as cantigas de embalar que ele me cantava quando eu era pequeno eram todas marchinhas de carnaval. A Jardineira, o Pirata da Perna de Pau, a Chiquita Bacana… Minha preferida era o Gato na Tuba. “Todo domingo havia banda no coreto do jardim… Pom, pom, pom, miau! Pom, pom, pom, pom…” Acho que era a preferida dele também. Certamente é por isso que eu até hoje adoro marchinhas. No Conversa de Fila cheguei a fazer uma, o Rato! Rato! Rato!. Faz um tremendo sucesso com as crianças. E assim, de repente, encontrei a solução para o meu problema.

Vovô no carnaval