newsletter #5

O SOBRENATURAL TENTOU

De meu pai herdei a gentileza, a barba arruivada, e o Fluminense. No Rio de Janeiro sempre vivemos suficientemente perto do Maracanã para ir a pé assistir aos jogos. Pai, irmão, primo, tio, vizinhos, a família estendida de amigos tricolores. Nunca fui dos torcedores mais aguerridos, confesso. Acho que o excesso de testosterona e gritos de torcida homofóbicos me afastaram de ser um grande frequentador de estádios. Mais até do que o cheiro de xixi. Mesmo assim, durante muitos anos acompanhei de perto as odisseias do meu clube. O campeonato carioca de 95. A segunda divisão. A terceira divisão. Até o título brasileiro de 2012 eu acompanhei, mesmo já vivendo fora país. Depois tirei uma licença sem vencimento e parei de ver futebol. Melhor parar quando se está por cima, não é?
Apesar de tudo, foi gostoso o passeio de família que fizemos no Maracanã no início deste ano, para ver o Fluminense ser campeão estadual dando de 4 a 1 sobre o Flamengo – uma surra que nem Nelson Rodrigues, o mais utópico tricolor, sonharia. Digo “apesar de tudo” porque o Maracanã a que costumávamos ir já não existe. Tem uma coisa ali, no mesmo lugar onde costumava ficar o estádio que conheci quando criança, e que olhando assim de fora é até bem parecido. Mas aqueles corredores escuros que a gente atravessava como portais para outra dimensão, onde subitamente a visão explodia para o interior daquela criatura colossal e efervescente, feita de concreto armado e espíritos centenários… Essa visão já não há. Nem ela, nem o cheiro de xixi. Hoje o Maracanã por dentro parece mais um shopping center. E falando em espíritos, uma coisa que eu me perguntava era se, depois da criminosa demolição e reconstrução, eles ainda habitariam o estádio. Nelson Rodrigues, sempre ele, o autor que melhor descreveu o velho Maracanã, nos apresentou alguns desses fantasmas residentes: Gravatinha, o gentleman elegante e sortudo, que só aparece nas vitórias do Flu, e Sobrenatural de Almeida, o azarento responsável por tudo de ruim que acontecesse ao clube, são as mais célebres almas penadas rodrigueanas.
No último sábado acho que tive finalmente respondida a minha pergunta. Suspendi temporariamente a minha licença de torcedor, tirei o uniforme tricolor do fundo do armário, e sentei na frente do computador para duas horas e meia de sofrimento vendo a final da Libertadores da América. Fluminense e Boca Juniors. Meu pai, meu irmão e meu tio mandavam fotos do estádio. Já estavam lá dentro. Eu sentia que estava lá com eles. Ninguém comentava, mas tenho a certeza de que um sentimento pavoroso de déja vu assombrava a todos. Já tínhamos visto este filme antes. Há 15 anos, final da Libertadores de 2008. Fluminense contra os equatorianos da LDU. Também num Maracanã lotado, perdemos nos pênaltis. Sobrenatural de Almeida espreitava.
Mas o jogo começou tranquilo. Éramos nitidamente superiores. Jogando em casa, dominando o campo, os argentinos mal viam a cor da bola. Era questão de tempo até abrirmos o placar. E abrimos. Fim da primeira etapa, um a zero para nós. Bastava manter o nível de jogo e a taça já estava em casa. Mas o segundo tempo começou estranho. Os jogadores que há pouco estavam confiantes começaram a ficar nervosos. Caíam nas provocações dos adversários, erravam passes, se irritavam… Para mim era claro: ele estava entre nós. Afinal nem deitando o estádio abaixo conseguiram exorcizar o espírito obsessor de Sobrenatural de Almeida. Se alguma dúvida restava, logo veio a confirmação num chute fulminante de fora da nossa área: um a um. Terminados os 90 minutos, aquele velho filme passava novamente. Se o empate persistisse pela prorrogação, iríamos a pênaltis, tal e qual em 2008.
Iniciado o tempo extra, as câmeras da televisão revelam um momento cabalístico: o treinador do Flu chama do banco o menino Kennedy, 21 anos, revelação da casa, e diz em seu ouvido: “você vai entrar e vai marcar o gol do título!” E assim foi. O menino entrou, fez o gol, e tornou o Fluminense campeão da Libertadores da América pela primeira vez na história. O Rio em festa. Meu pai e meu irmão malucos no estádio. A cena profética do treinador repetindo sem parar na TV. E numa dessas repetições foi que eu reparei nele: um homem desconhecido apareceu de relance, ali no fundo da cena, atrás do banco de reservas, de terno, chapéu e gravata.

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DUAS NOTAS SOBRE MACAU

Na última newsletter mostrei um poema do meu primeiro livro que curiosamente falava sobre Macau, queijo de cabra e provérbios em cantonês. Com relação ao queijo, descobri que foi tudo uma pura e acidental licença poética. Não há queijo em Macau. Não encontrei em lugar nenhum. Nem de cabra, nem de vaca, nem de rã. Não me perguntem por que, mas das vezes que perguntamos sobre queijo em restaurantes ou mercados, nos diziam simplesmente que não, fazendo uma cara como se não estivéssemos falando de um alimento.
Já o provérbio, este encontrei. E ele, curiosamente, fala sobre pássaros, como no poema. Olhem só:

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Já tentaram mais de uma vez me explicar o que significa, mas confesso que ainda não sei se entendi muito bem. Alguma coisa do tipo “o pássaro é muito pequeno, mas tem todos os órgãos dentro”. Pensando bem, é bonito.

ANTES QUE EU ME ESQUEÇA

Vou passar a agendinha do mês de novembro:

Dia 10 / Lisboa: Samba Sem Fronteiras + Coletivo Gira no Sambalfama

Dia 11 / Lisboa: Samba Sem Fronteiras no Samba Colaborativo (Cais do Sodré)
Dia 28 / Coimbra:
Showcase “Café Duplo” com a Vânia Couto, no Convento de S. Francisco
Dia 30 / Bragança:
Showcase “Café Duplo” com a Vânica Couto, no Teatro Municipal

E como é possível que em dezembro eu não volte aqui a tempo de dizer, fica já a dica que os concertos de encerramento desta tour d’A Garota Não vão ser um estrondo. Especialmente o do dia 2, no CCB. Estão avisados.

 

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