newsletter #2
QUANDO TUDO ERA SONHO
Há uns dias recebi uma mensagem de despedida de uma amiga que acabou de se mudar do Porto. Não era exatamente para mim, era uma mensagem coletiva, para os amigos e amigas que talvez não soubessem da mudança. Ela aproveitou para falar um pouco sobre como o tempo que viveu na cidade foi importante, e o quanto ela cresceu e se transformou ali. Fiquei um pouco comovido com as palavras dela, porque também já tive essa experiência. Duas vezes. Primeiro, quando deixei o Rio de Janeiro, há 11 anos. Depois, mais recentemente, quando deixei minha casa no Porto, também.
Assim como minha amiga, entreguei à cidade o filé mignon dos meus 20 anos. Dei e recebi. Descobri coisas que eu poderia ser, e em algumas acabei me tornando. Às vezes lembro dos primeiros dias na cidade. Dos meus planos, das possibilidades, das surpresas. A minha amiga, em sua mensagem de despedida, em poucas palavras definiu muito bem a sensação: “tudo aqui um dia foi sonho”
Mas não fomos só nós que mudamos. A própria cidade também mudou. Passou por transformações radicais e dolorosas, bem diante dos nossos olhos. Eu cheguei a começar uma listinha com todos os lugares que eu costumava frequentar, ou que tinham alguma importância afetiva para mim, e que de repente deixaram de existir. Perdi essa lista. Mas ainda sou capaz de dizer vários nomes de memória: Casa Viva, Rés da Rua, Contrabando, Rosa Imunda, Casarão, Porto D’Artes, Tendinha dos Poveiros… Quando soube que iam destruir o quiosque das Worst Tours, por exemplo, escrevi uma música para gravar com o Samba Sem Fronteiras — o “Gentrificasamba”. Gravamos o clipe dentro do quiosque, para preservar um pouco da memória do espaço antes que ele desaparecesse. Isso foi há 5 anos, e o refrão da música, que diz que “a cidade vai virar só hotel para turista”, continua fazendo cada vez mais sentido, infelizmente.
Aquele quiosque fazia esquina com a Rua do Heroísmo, onde, algumas quadras mais adiante, fica o Centro Comercial STOP. Um edifício com quase 3 décadas de história e pouco mais de uma centena de lojas, quase todas transformadas em estúdios ou salas de ensaio para as bandas da cidade — inclusive o próprio Samba Sem Fronteiras, ou a Orquestra Bamba Social, para ficar só entre os projetos onde eu participo diretamente. Há duas semanas o STOP amanheceu fechado, com uma barreira de policiais impedindo a entrada de qualquer um. Querem fechar o espaço.
Músicos despejados, com instrumentos e equipamentos presos lá dentro. Ninguém foi avisado. Ninguém sabia o que iria acontecer. Em meio a tentativas de negociação, uma manifestação pública é marcada para a segunda-feira seguinte… e eis que a cidade ressuscita. Vai às ruas para defender um dos seus espaços mais vivos de cultura e de afeto. Não lembro de ter visto uma mobilização tão grande desde a crise de 2012, contra a troika. E assim, sem ensaios e quando menos se esperava, foi das coisas mais bonitas que se viu na cidade nos últimos tempos.
Afinal, ela ainda está viva. Ainda não virou completamente um hotel para turista. Por causa desta luta, o STOP reabre hoje, temporariamente. Por quanto tempo? Não se sabe. Mas não custa sonhar.
ERREI RUDE
Na última newsletter disse que o poema da Ledusha que musiquei para o “Disco no Risco” era do livro “Risco no Disco”, de 1981. Errei! O poema na verdade é do “Lua na Jaula”, de 2018. Mas falando nisso, finalmente essa música (e o resto do disco) está aí nas plataformas. Já ouviram?
PEÇA DESCULPASSSSSSSS
Pequena curiosidade de bastidores: o coro infantil que canta no “Peça Desculpas, Senhor Presidente” foi gravado numa manhã (muito) quente de março, na Tijuca, Rio de Janeiro, com os filhotes de amigos e amigas da cidade. Para as crianças foi tudo uma grande brincadeira, é claro. Alguns meses depois, editando os takes, também eu me diverti muito ouvindo os erros e as conversas delas antes e depois de cantar. Num desses takes, no último verso, “não dói, nem sentes”, um dos meninos (o Chico) resolveu gastar o fôlego que ainda tinha segurando último “s” por uns… sei lá, 8 segundos! Parecia um balão esvaziando. Mas eu achei tão divertido que não resisti, e resolvi manter na música. Se forem ouvir com atenção, dá pra notar que no último verso uma criança canta: “não dói, nem sentessssssssssssssssssss…”
Falo isso porque há umas semanas o Observador fez uma lista das 23 canções que mais marcaram a música portuguesa no primeiro semestre. E lá está ela, “Peça Desculpas, Senhor Presidente”, com seu balãozinho furado e tudo. 🎈
*na verdade o presidente ainda não fez o pedido, ele apenas admitiu que era necessário fazê-lo.
PRÓXIMOS CONCERTOS
Calma, muita calma… Tirando a abertura da Feira do Livro do Porto, no dia 25, onde vou cantar com a Ana Deus o nosso “Ruído Vário”, nesse mês vou só respirar fundo para o que virá na reta final deste ano, que promete.
Bom agosto pra vocêssssssssssss!