newsletter #1
RISCOS E DISCOS
O começo é sempre um risco. A gente acorda, levanta, e daí pra frente tudo é mais ou menos um risco que se corre. Sair de casa já é se aventurar, dizia um. Com sorte se atravessa o mundo, sem sorte não se atravessa nem a rua, dizia o outro. Hoje acordei, e o primeiro risco que corri foi este aqui. Tinha a newsletter prontinha para mandar, e ia começar logo com uma novidade bombástica. Mas afinal soube que essa novidade bombástica vai ter que ficar pra próxima newsletter, e de repente tive que sentar e reescrever em alguns minutos o que eu tinha preparado cuidadosamente nas últimas semanas. E isso me lembrou que escrever é sempre um risco.
Quem primeiro me ensinou isso foi um poeta e professor muito importante na minha vida, e que faz hoje aniversário, o Carlito Azevedo. Mais do que o risco de escrever, o Carlito me ensinou que ler também é um risco. Ele gosta de citar um escritor francês que dizia que não se deve forçar ninguém a ler, nem julgar ninguém por não gostar de ler. Quem prefere saber sempre para onde vai, por exemplo, não deveria ler. Apenas os que estão abertos a serem conduzidos para o inesperado, para emoções possivelmente desestabilizadoras, é que deveriam se arriscar. Então, a vocês que estão aqui hoje comigo, correndo esse primeiro risco, obrigado.
Isso tudo pra falar de um risco completamente diferente: o Risco no Disco. Quer dizer, o Disco no Risco. Vai sair na semana que vem, em todas as plataformas, um disco-homenagem à Ledusha, poeta brasileira por quem tenho um super carinho. A Ledusha faz parte da geração mais livre da poesia brasileira, possivelmente. A geração do Chacal, da Ana Cristina Cesar, do Cacaso, do Cazuza…
A ideia partiu do trio Dimitri BR, Gustavo Galo e Estela Rosa, que convidaram um grupo de artistas para transformar em música alguns poemas da Ledusha. E eu sou um deles! O disco sai pelos selos Pequeno Imprevisto e Mulheres Que Escrevem no próximo dia 12, e no dia 15, pra quem estiver em São Paulo, vai ter um sarauzinho de lançamento na livraria Megafauna, no Copan.
Não quero dar spoilers, mas esse aqui embaixo é o poema que eu escolhi pra musicar:
quem dera um pássaro passasse rente
e anunciasse
um inverno ambivalente
quem dera a blusa branca de cambraia
saia estampada
de tigres e papoulas
me vestisse
augúrios do ouro de sete argolas
no braço
quem dera um horizonte houvesse
e a alma despisse
pela grama toda a tralha
[Risco no Disco, 1981]
NO PALCO
Foram lindas as apresentações de junho sob o signo de gêmeos. Lindas e completamente diferentes uma da outra, claro. Começou no Serralves em Festa [Porto] onde fui participar no concerto do parceiro Minus & Mr. Dolly, que acabou de lançar um belo de um disco, onde temos uma faixa em parceria, chamada A Queda.
Depois teve o Arraial Anti-Racista do Vida Justa na Penha.sco [Lisboa] onde tive o prazer de conhecer o Tristany que fez uma performance arrepiante antes de mim.
Mas na semana seguinte é que foi a loucura. Fui dar uma perninha na tradicional Festa da Diversidade do SOS Racismo, que já há muitos anos acontece colada (completamente misturada) com o desaguar da Marcha LGBTI+ de Lisboa. Que bonito! Tanta gente (mesmo muita gente!) de lutas diferentes, reforçando laços de cumplicidade e aliança… Ainda por cima revi a minha amiga Surma, que tocou logo antes de mim. A Surma é a pessoa mais simpática de Portugal. Desafio alguém a encontrar outra. Gente boa demais.
Mais para o final do mês ainda tivemos um concertaço de Sabina, com minha banda do coração, completinha, no Festival Rádio Faneca [Ílhavo]; e outro, bem mais intimista, no Mosteiro da Batalha [Leiria], dentro do ciclo Artes à Vila. Essa foto é do concerto de Ílhavo, onde minha camisa nova roubou a cena. Adorei. A camisa é da Complexo B.
Mas vamos logo ao que interessa:
OS PRÓXIMOS CONCERTOS
- 08/7 FESTA – Ovar, Parque Urbano, 17h – GRATUITO
- 26/7 Sesimbra (detalhes a anunciar)
E a coisa também vai ferver no norte com o Samba Sem Fronteiras:
- 12/7 MUSA das Virtudes – Porto, 17h – GRATUITO
- 15/7 Praia do Furadouro – Ovar, 22h – GRATUITO
- 16/7 Ferro Bar – Porto, 18h – GRATUITO
22/7 Sandeman Stage – Gaia, 18h – GRATUITO
DESCANSA, MILITÂNCIA!
Não sei se vocês viram a grande reportagem da SIC que deu nos últimos dias 22 e 23, sobre a relação de Portugal com seu passado colonial. Muitos assuntos importantes são abordados: manuais escolares, museus,
pedidos de desculpa e reparação, monumentos públicos. Parabéns à Amélia Moura Ramos, que fez um ótimo trabalho de síntese, e conseguiu situar a discussão no horizonte certo: como a memória do passado repercute no presente. Eu participei lá com meus dois centavos, logo na abertura da segunda parte. Ficou um programa interessante, e muito necessário pra Portugal, vale a pena assistir.
E quem se interessar em ler mais sobre qual tem sido o estado do debate sobre colonialismo e representações do passado colonial em Portugal, recomendo o livro “O Atrito da Memória”, do amigo Miguel Cardina, que saiu recentemente pela Tinta da China. Foi outra das atividades deste mês de junho, participar na apresentação deste trabalho na Feira do Livro de Lisboa. Deixo aqui a minha contribuição, para quem tiver curiosidade de ler o que foi dito no dia.
Outra apresentação muito interessante, que aconteceu no mesmo dia na Feira, foi do “Tribuna Negra – origens do movimento negro em Portugal”. Também pela Tinta da China. Esse já está aqui na fila pra ler. Só não comecei ainda porque o último jogo do Zelda que saiu ainda não me deu brecha. Vou lá matar mais um chefão e já volto.